Do meio para o final da década de 1990, comecei a desenvolver algum interesse pela coleção de fitas cassete do meu pai. Essa sede constante de descobrir coisas novas, vício que viria a modificar meus interesses culturais desde então, moldaria meu gosto musical e meu estilo de vida.
O álbum Master of Reality, lançado em 1971 pelo Black Sabbath, foi o grande responsável por essa mudança. Ele é recheado de porradas sonoras como Sweet Leaf, Children of the Grave — uma das músicas mais badass feitas na história — e Into the Void, mas é de canções melancólicas que vou tratar hoje.
A sétima faixa do disco em questão, Solitude, é uma canção triste e excepcionalmente bela, com uma atmosfera bastante envolvente. Seus cinco minutos de duração são mágicos e transportam o ouvinte para uma dimensão soturna, nebulosa e psicodélica.
A música conta também com um fator “estranho”. Ainda hoje, quase 50 anos após o lançamento do disco, muitos fãs ficam em dúvida sobre quem seria o dono das vozes na canção. Eu mesmo, em outros tempos, devorei o encarte do disco, vasculhei a internet procurando por quaisquer informações que eu pudesse ter sobre os créditos da música. Por muito tempo, desconfiei dos que afirmavam com determinação ser Ozzy Osbourne nos vocais.
O fato é um dia eu acordei, apertei o play e, como num estalo, notei que a voz de Ozzy estava presente numa clareza inesperada e misteriosa, me fazendo duvidar se era realmente possível não perceber.
Depois de algum tempo, fascinado pela mudança sonora ocorrida em meus ouvidos, resolvi realizar um teste: saí perguntando para amigos que conheciam a música se eles reconheciam a voz de Ozzy e recebi respostas mistas. Posteriormente, resolvi “apresentar” a canção para outros amigos, já familiarizados com os timbres de Ozzy, mas que não conheciam a música, somente para constatar que nenhum deles conseguiu reconhecer a voz do Madman. Antes de seguir, recomendo que ouça a faixa para realizar o teste, e conte nos comentários qual foi o resultado.
Infelizmente, a faixa nunca foi executada ao vivo, mas uma versão deluxe do Master of Reality, lançada em 2013, traz nos extras uma gravação crua de Solitude, sem a inebriante melodia da flauta ou os efeitos aplicados pós-gravação. Nessa faixa é possível perceber com muita clareza os vocais de Ozzy.
Outra canção que pode auxiliar os ouvintes a “reconhecer” o dono dos vocais em Solitude, é Center of Eternity do Bark At The Moon (1983), disco solo do cantor. No refrão, apesar de não contar com os mesmos efeitos, o Príncipe das Trevas canta de um jeito similar.
Planet Caravan, do disco Paranoid (1970), também confundiu alguns fãs do Sabbath. Na faixa, os vocais de Ozzy estão cobertos pelo chamado “Efeito Leslie”, que se origina pelo movimento circular de uma câmara defletora acoplada dentro do amplificador, que causa o giro das ondas e consequentemente o perceptível efeito sonoro de rotação, o que dá uma aura psicodélica para a canção.
O mais interessante de tudo é ver que tanto a experimentação criativa do Black Sabbath quanto a genialidade de Ozzy na criação das melodias das linhas vocais e na versatilidade ao cantar ainda são capazes de suscitar, e sustentar, mistérios e sensações sonoras incríveis, mesmo cinco décadas depois.