Muito se fala sobre a liberdade artística e a ânsia da maioria dos artistas — sejam músicos, escritores, atores, artistas plásticos e demais formas de arte — de expressar suas mensagens com a mais pura convicção daquilo que sentem e/ou querem passar para o público.
Essa possibilidade, contudo, nem sempre é algo que pode ser levado em conta de forma rigorosa, pois além da constante preocupação comercial, principalmente para artistas em início de carreira, também é preciso considerar a interpretação do público para com a obra, ainda que isso não esteja nas mãos dos criadores.
Um dos discos mais icônicos da história da música, Paranoid (1970), da banda inglesa Black Sabbath, quase teve outro nome. A ideia inicial da banda era “War Pigs”, título da faixa que abre o disco. Geezer Butler¹, baixista da banda, revela que, ao fim do processo de gravação do disco, o produtor informou à banda que era necessária mais uma música. “Tony [Iommi] — guitarrista da banda — começou o riff e nós seguimos. Não estávamos esperando nada disso.” O baixista ainda revela que a gravadora os procurou dizendo que aquela era a melhor faixa e que, por conta disso, deveriam batizar o álbum de “Paranoid”. Geezer ainda brinca que “a capa do disco já era ruim o suficiente quando o título era pra ser ‘War Pigs’, mas quando virou ‘Paranoid’ então, não fazia nenhum sentido”.
É preciso lembrar que algumas versões, ainda que não confirmadas, apontam para o fato de a gravadora ter vetado o título por conta de possíveis retaliações no mercado americano, afinal, em 1970, a Guerra do Vietnã estava rolando solta.
Voltando ainda um pouco na história, a própria faixa “War Pigs” tinha outro título. Geezer revela que “a canção foi composta como ‘Walpurgis’ — festa pagã associada ao Sabá, aludida em obras de Lovecraft, Bram Stoker e Goethe — e soa bem parecido com ‘War Pigs’. Mas Walpurgis é como um Natal para satanistas e, para mim, a guerra era um grande Satã. Não era sobre política, governos ou qualquer coisa. Era sobre o mal”. Acontece que a gravadora achou que o título era muito satânico: “E assim mudamos para ‘War Pigs’. Mas não mudamos as letras, pois já estavam finalizadas”, diz Butler.
A banda Metallica enfrentou uma situação um pouco mais drástica. Kill’em All, de 1983, o álbum de estreia da banda, deveria ter se chamado “Metal Up Your Ass” (Metal no seu rabo, em tradução literal), mas, claro, a gravadora não deixou.
A capa, segundo o baterista Lars Ulrich², seria “Uma mão saindo de uma privada com um machete ensanguentado […] E o vaso estaria cercado por arame farpado”. A ideia da banda era usar o título tanto como convite para os fãs mais fiéis do metal, tanto como um aviso para posers, mas também serviu como um repelente para os distribuidores, que não acreditariam no poder de venda do disco sob esse título.
“A gravadora nos disse que os distribuidores estavam objetando fortemente o título, e poderíamos correr o risco de ficar sem o disco nas lojas” disse Ulrich. Jonny Zaszula, manager da banda na época, afirmou que “isso foi antes do rótulo [Parental advisory] — sistema de classificação etária destinado aos pais —, mas ainda tinha uma questão moral. O Wal-Mart, ou qualquer outro, nem encostariam no disco”.
A banda, obviamente, ficou enraivecida, mas ao mesmo tempo sabia que precisavam de um novo título. A solução, segundo o guitarrista Kirk Hammet, veio do falecido baixista Cliff Burton. “Estávamos indo do local onde nos hospedamos até o estúdio fotográfico onde faríamos as fotos para o disco e estávamos pensando em um nome, então o Cliff disse: ‘Quer saber? F*dam-se esses c*zões, cara! Esses distribuidores do c*ralho. A gente devia matar todos eles — Kill’em all”.
Zaszula afirma que “Cliff estava muito puto, mas o Lars estava “Kill’em all… Esse é um bom nome”. Na sequência, o álbum foi batizado de Kill’em All.
Arte de Stephen Gorman para a capa de Metal Up Your Ass (ligeiramente diferente da versão descrita por Lars Ulrich)
Outra banda americana que optou por trocar o título de um disco foi o Type O Negative. O disco, lançado em 2003 e intitulado Life is Killing Me (A vida está me matando, em tradução literal), quase se chamou “The Dream is Dead” (O sonho está morto).
Numa entrevista concedida em 2003, o falecido frontman, Peter Steele³, revelou o motivo da mudança: “The Dream is Dead” pareceu muito negativo para nós. Algo como World Coming Down — disco de 1999 (Mundo caindo, em tradução literal) — que na minha opinião era muito negativo. Eu gosto de “Life is Killing Me” pela forma como a canção surgiu. Pareceu uma daquelas catchy — músicas que grudam”.
Peter ainda revelou que gostava daquele tipo “estúpido” de humor, “Life is Killing Me” é um título mais irônico. “A canção ‘The Dream is Dead’ é realmente negativa. É sobre meu pai morrendo no Valentine’s Day — Dia dos Namorados fora do Brasil —, algo que sempre me foi desagradável, em todo catorze de fevereiro. Você sabe, todos estão com suas namoradas, noivas ou esposas, e eu estou indo ao cemitério. É uma música que significa que você não deve tomar nada como certo. Quando as coisas dão errado, não tem ninguém para te levantar. Você tem que se levantar sozinho, o que é bastante difícil.”
A banda ainda temia que o título do disco soasse como uma despedida, afinal “O sonho está morto” é carregado de drama. Por ironia do destino, o Type O Negative lançou apenas mais um disco após Life is Killing Me. Esse último disco foi batizado de Dead Again (2007).
Referências:
¹ https://noisecreep.com/black-sabbath-bassist-geezer-butler-gets-paranoid/