Olá, caros leitores e leitoras do meu coração. Hoje eu vim deixar vocês desconfortáveis. Estão prontos?
Assistam pelo menos 40 segundos deste vídeo, por favor:
Esta é Sophia, um robô humanoide desenvolvido em Hong Kong. Quando olhamos para ela, falando e fazendo todo tipo de expressões faciais, sentimos que há algo errado ali. Ela possui todas as características faciais distinguíveis em um ser humano, mas, ainda assim, sentimos uma estranheza bizarra ao contemplá-la.
Foi ao sentir este tipo de estranheza que o professor de robótica Masahiro Mori publicou, em 1970, um artigo que sugere uma curva ascendente de afinidade ao julgarmos um objeto, como um robô ou um boneco, na medida em que eles se tornam mais parecidos com seres humanos. Porém, um pouco antes de serem indistinguíveis de um ser humano, existe uma queda proeminente na curva do gráfico: o vale da estranheza. O vale mostra o ponto mais baixo de nossa resposta emocional, o sentimento de “coisa errada” que temos ao nos depararmos com uma entidade que está no limite entre ser um humano e algo desconhecido.
Aqui temos o gráfico criado por ele para demonstrar a curva do vale da estranheza. Notem que, na parte mais profunda do vale, temos um velho conhecido: um zumbi.
É aí que eu entro com o tema do horror.
Enquanto outros filmes vêm lutando por décadas para evitar o vale da estranheza (tendo falhado miseravelmente em títulos como “Expresso Polar” e “Beowulf”), o horror deve fazer um salto ornamental e mergulhar ali naquela piscina esquisita do gráfico.
Este recurso é uma mina de ouro! Como eu falei no post “Sobre sentir medo com filmes de terror” [hiperlink para o post], existem ferramentas gerais de filmes de terror, sendo jump scares e o medo da morte as mais comuns. O vale da estranheza pode ser um recurso para deixar o espectador no estado de desconforto certo.
Mas qual é o impacto dele nas películas? Qual a sua influência? Vamos aos pontos:
⦁ Perda de identidade:
Gostamos de pensar que, enquanto seres humanos, somos bem únicos. Aí chega alguma coisa com as mesmas características físicas que um humano e fica sambando por aí. O melhor exemplo disso, de longe, é a criatura em The Thing:
Ao contemplarmos o ser que é quase como nós, mas não tanto, sentimos a fragilidade da nossa identidade enquanto indivíduo ou mesmo, enquanto humano.
⦁ Mudanças e anarquia:
As pessoas não gostam de mudanças. Especialmente se forem no quesito humanidade. Nós seguimos certas “regras” universais que nos ajudam a construir a imagem da humanidade. Aí chega uma Regan descendo as escadas de costas como uma aranha, mostrando a língua como um lagarto e joga tudo pro ar:
Não é mais um ser humano, ela quebrou as regras do que nos faz assim. Ela mudou.
⦁ A lembrança da mortalidade:
Quando vemos Michael Myers morrer no fim de cada filme, só temos uma certeza: ele voltará. Em cada sequência, somos lembrados do quão irreal aquele ser é, já que nós, humanos, teríamos morrido há séculos se passássemos pela metade do que ele passou. Cada tiro e facada que ele toma nos lembra de como é fácil botarmos os dois pés no necrotério. “Halloween” traz ainda o desconforto que aquela máscara nos passa, branca e imóvel, enquanto o assassino persegue suas vítimas com voracidade.
Vou ficando por aqui, meus semelhantes humanos. Espero que vocês tenham sentido um leve desconforto olhando isso tudo e que tenham gostado da matéria! Deixo no final alguns outros ótimos exemplos do vale da estranheza em filmes de terror:
Belial, de “O Mistério do Cesto”
O boneco em Possum
Anabelle
O Chucky do remake
O Chucky antigo (e melhor) também