Uma das afirmações mais frequentes quando se fala sobre o falecido cantor Johnny Cash é o fato de ele conseguir transformar canções de outros artistas em suas, como se fossem marcadas a ferro.
A canção “Hurt” (American IV: The Man Comes Around, 2002), um dos últimos sucessos de Cash, que foi composta por Trent Reznor e gravada originalmente por sua banda Nine Inch Nails no álbum “The Downward Spiral” de 1994, é repleta de referências suicidas e vícios, temas que encabeçam o disco como um todo. Sob a voz poderosa de Cash, no entanto, a canção recebeu uma nova roupagem, quase como uma ode à velhice. Reznor afirmou ter achado a canção estranha no início, mas ao assistir ao videoclipe, percebeu que a obra não mais lhe pertencia: “Eu coloquei o vídeo e nossa! Lágrimas, silêncio, arrepios… Uau, [eu me senti como se] tivesse acabado de perder minha namorada, porque essa música não é mais minha… Isso me fez refletir sobre o quão poderosa é a música como meio e forma de arte”.
Algo parecido aconteceu com “Rusty Cage”, composta por Chris Cornell e originalmente gravada pelo Soundgarden em 1991, no disco “Badmotorfinger”. Cornell relatou ter sido contatado por Rick Rubin (produtor de Cash), que lhe pediu que arranjasse uma versão da canção. “Quando Rick me pediu para trabalhar em uma versão de ‘Rusty Cage’ para o Johnny Cash, eu achei que era uma ideia estúpida. Isso mostra o quão curta era minha visão. Isso não fazia nenhum sentido pra mim”, e ele continua: “Eu não sabia como transformar [Rusty Cage] em uma canção do Johnny Cash. Eu tentei por algumas horas e desisti, pensando que era um desperdício de tempo, então eu decidi não fazer o arranjo. Depois, quando eu ouvi a versão no rádio, eu me senti estúpido”. Cornell ainda revelou que aquela foi uma lição valorosa para ele, e que dois dias após o lançamento da versão de Cash, ele começou a receber chamadas de pessoas elogiando a letra da música, “O que foi hilário, pois ninguém comentou que a letra era maravilhosa quando lançamos a versão do Soundgarden, que já fazia bastante tempo. Mas isso também me ajudou a perceber muita coisa. Quando suas letras são performadas de uma maneira ou por uma pessoa específica, é quase como se os sentidos mudassem, mesmo sendo as mesmas palavras”.
Se Reznor demorou para gostar da versão “Hurt” feita por Cash, e se Cornell não acreditou que “Rusty Cage” poderia soar bem na voz do cantor, Glenn Danzig, lendário vocalista do Misfits e um monstro do heavy metal, fez diferente. A canção “Thirteen” (American Recordings, 1994) foi escrita por Danzig especialmente para Cash, logo após um telefonema de Rick Rubin. “ ‘P*rra, sim! Eu sei quem é Johnny Cash’ e ele disse: ‘Você escreveria uma canção para ele?’ ”. Danzig revela que escreveu “Thirteen” em meia hora, logo que saiu do telefone. “Essa canção é a minha percepção de quem era Johnny Cash e o que ele representava”.
Voltando alguns anos na carreira do cantor, mais especificamente em 1979, no álbum “Silver”, Cash gravou a canção “(Ghost) Riders in the Sky”. A versão original é de Stan Jones, gravada em 1948, mas ao longo dos anos foi regravada por diversos artistas, de cantores de country a bandas de black metal. Mas apesar das diversas versões, nenhuma delas, nem a original, funciona tão bem quanto a que tem os vocais poderosos de Johnny Cash. Na letra, um caubói decide ir atrás de um rebanho de vacas de olhos vermelhos com cascos feitos de aço e chifres negros, numa narrativa fantástica que termina com um aviso para que ele recue, a menos que queira perseguir as bestas por toda a eternidade.
Outro clássico western/country, “Big Iron” é um conto de faroeste sobre um patrulheiro do Arizona que está atrás de um notório bandido chamado Texas Red. A versão original é de Marty Robbins (Gunfighter Ballads and Trail Songs, 1959) e por si só é maravilhosa, numa pegada acelerada de tirar o fôlego quando chega o momento do duelo entre os personagens principais. A versão de Cash é lenta e atmosférica, característica de alguns dos últimos trabalhos do cantor, e por isso tem um peso único, funcionando quase como uma lenda.
Ao longo de uma carreira que durou quase 50 anos, Johnny Cash teve altos e baixos, e se reinventou diversas vezes. Fosse com suas composições ou com canções de outros artistas, tornou-se um dos grandes nomes não só do country, mas da história do rock. Sendo, inclusive, um dos poucos a fazer o caminho inverso ao gravar obras de artistas mais novos que ele.
Referências:
https://www.spin.com/2011/11/soundgarden-rusty-cage-interview/