Found Footage é um tipo de filme que usa filmagens encontradas depois de um evento para construir a narrativa, geralmente tendo sido feitas pelos próprios atores ou personagens. Esse gênero — meu favorito — de filmes é usado na maior parte das vezes em filmes de terror. Hoje vou contar um pouco da história dele e o porquê de eu gostar tanto. As imagens que vou colocar vão com um link para os trailers dos filmes.
O primeiro found footage de destaque foi “Holocausto Canibal”, italiano de 1980. O filme causou tanta polêmica na época, que seu diretor, Ruggero Deodato, foi chamado na corte para provar que os atores estavam vivos, tamanho o gore mostrado. Além disso, o filme ainda traz a morte real de animais em cena, nos deixando no mínimo desconfortáveis. Só falando por cima do plot: quatro documentaristas vão explorar regiões isoladas da Amazônia e encontram uma tribo de canibais. O que esse filme fez foi trazer o estilo de “falso documentário” para o centro das atenções; agora todos sabemos que há um jeito diferente de contar uma boa história de terror. Pontos extras para a música tema (que você pode ouvir no trailer), que vira um gatilho para lembrar de tudo que aconteceu no filme de um modo muito bizarro.
Outra coisa que chegou com esse novo tipo de filme foi a crença de que alguns deles eram filmagens reais, causando certo pânico como Orson Welles com “Guerra dos Mundos”. Alguns merecem ser citados: em 1989, “The McPherson Tape” circulou pela comunidade UFO como se fosse a filmagem real de uma abdução (em 1998 esse filme foi refeito com um orçamento consideravelmente maior; “Estranhas Criaturas” é um dos filmes mais assustadores na opinião sincera daquele que vos escreve).
Na noite de Halloween de 1992, a BBC estreou “Ghostwatch” na TV, como se fosse um programa real que girava em torno da investigação em uma casa assombrada em Londres. O filme foi tão traumático que causou o suicídio de uma pessoa mentalmente instável e foi ligado a dois casos de stress pós-traumático em crianças; isso tudo lhe rendeu um banimento de dez anos. Tenha em mente que o filme mostra um programa de TV e foi ao ar como um, com participação de “espectadores” e tudo mais, tornando tudo bastante autêntico.
O último, mas não menos importante, citado aqui é o que praticamente mudou tudo: “A Bruxa de Blair”, de 1999. Gravado com um orçamento baixíssimo e praticamente sem roteiro, ele foi alavancado com a ajuda da internet. Espalhou-se pela rede que as filmagens eram de pessoas reais e tudo o que seria visto no filme realmente tinha acontecido. Na época da ascensão da internet, o filme foi um BOOM e ditou o tom para produções que apareceriam nos anos seguintes.
Mas o que faz um bom found footage? Acho que algumas ideias bem seguidas levam ao sucesso:
1- Estabeleça um motivo para filmar. Este deve ser o esqueleto do filme, se há uma falha aqui, nada mais funciona. O que está acontecendo? Um documentário? Uma reportagem? Alguém tentando capturar algum fenômeno em vídeo? Não importa, se o motivo for bom, já é um bom começo.
2 – Faça os personagens serem relacionáveis. Assistir “Lake Mungo” deixa você pra baixo um bom tempo por este aspecto ser bem feito; “As Fitas de Poughkeepise” (de 2007), banido por dez anos de tão relacionável que é. Found footage é sobre contar histórias em uma perspectiva pessoal e íntima, estamos vendo tudo pelos olhos de um dos personagens. Se você não cria personagens relacionáveis, ou se debruça em personalidades clichês, (como no PÉSSIMO, Evidence) o filme fica insuportável de assistir. Ninguém quer acompanhar gente chata e pedante por motivo nenhum durante muito tempo.
3 – Por tudo que há de sagrado no mundo, tenha um EXCELENTE motivo para não parar de filmar. Algumas vezes o motivo “preciso mostrar ao mundo o que está acontecendo” funciona lindamente (“Fenômenos Paranormais”, “Assim na Terra como no Inferno”), em outras ele falha miseravelmente (“Aliens: Zone of Silence”). Há filmes que abrem mão deste recurso de formas inteligentes (as câmeras fixas de “Atividade Paranormal”, as fitas de “As Fitas de Poughkeepsie”). Então, um motivo sólido e bem construído não faz você ficar falando “Solta a porra da câmera, seu animal” a todo momento.
4 – Entenda e utilize as limitações do gênero. Poxa, este é um modo totalmente diferente de contar histórias, por que diabos você iria querer contar do mesmo jeito de sempre? Saiba utilizar cortes, falta de bateria, direcionamento de visão, isso tudo! “Eles Existem”, “Rec”, “Bruxa de Blair”, todos estes conseguem entender que o câmera é um personagem, não somente um recurso raso!
5 – O último e não menos importante: o final do filme. Pare agora e pense comigo: se são filmagens encontradas então TODO MUNDO MORREU, ou sumiu de alguma forma. O fim é o ponto alto de todo found footage, é a culminação de tudo que foi mostrado. Não é tão difícil assim, o fim deve ser abrupto, pois a pessoa que estava filmando se foi, mas ele deve ser chocante e chamativo de uma forma que satisfaça o espectador e, ainda sim, deixe coisas em aberto. De longe, o pior exemplo de final que eu consigo pensar agora para o gênero é de “Filha do Mal” (2012) e aqui eu vou dar um spoiler, mas na verdade estou salvando você desta abominação. O filme está em uma perseguição de carro, você está curioso pra saber o resultado dela, pra onde tudo que foi mostrado levará, de repente BAM! Tudo fica preto e aparece o nome do filme. Você se sente enganado por ter acompanhado uma história mal escrita e com um fechamento preguiçoso e porco. Um dos melhores é de “As Fitas de Poughkeepise”. Você fica estarrecido, não acredita no que está acontecendo (só de lembrar me arrepio todo) e um gosto amargo permanece com você o resto do dia.
Acho que seguindo estes passos, nós podemos ter lindos filmes! Um bom found footage é a coisa mais assustadora do mundo, o nível de intimidade entre personagem e espectador é o maior dentre os gêneros cinematográficos. Contar a história em primeira pessoa dá a oportunidade de explorar sentimentos muito mais a fundo do que em terceira.
Vou finalizar deixando uma lista de found footages que eu acho que vocês vão curtir. Até a próxima!
Segue a lista de filmes, com um breve (e algumas vezes bem-humorado) resumo do plot:
REC e REC 2– Zumbis em espanhol.
Atividade Paranormal – Procure pelo release com o final original.
Fenômenos Paranormais – Hospital mental abandonado.
Assim na Terra como no Inferno – Filmado nas catacumbas de Paris.
Eles Existem – Você com medo do Pé Grande em plena luz do dia.
Creep – Atualizando o conceito de gente doida.
Estranhas Criaturas – Jantar de Ação de Graças com alienígenas.
The Bay – Peixes comedores de língua.
VHS/VHS 2 – Variedades de gente morrendo em antigas mídias
O Túnel –Terror no subterrâneo.
Lake Mungo – Luto.
O Caçador de Trolls – Trolls que não são os da internet.
A Bruxa de Blair – Medo do que você não pode ver.
Ghostwatch – Faustão especial de Halloween.
Banshee Chapter – Lovecraft no rádio.
Noroi – Japoneses e cultos estranhos (meu favorito).
O Último Exorcismo – Satanás na câmera.
Cloverfield – Kaiju tocando o terror.
Infectado – Eurotrip de terror.
Found Footage 3D – Metalinguagem.
Hell House LLC – Vamos fazer um “parque de diversão” nessa casa mal-assombrada?
(Se você tiver alguma sugestão, comente aí!)