Bem vindos de volta ao Jogo do Medo, meus amigos.
Hoje decidi trazer mais uma para o quadro Da tela à mesa e falarmos da série “Mandalorian”, da Disney.
A série se passa em algum momento entre “O Retorno de Jedi” e “O Despertar da Força”, ou seja, no momento após o sumiço do Imperador Palpatine e o desmantelamento do Império Galáctico. O momento é propício para toda a escória que quer fazer algum dinheiro fácil se aproveitando das ruínas da sociedade, como, por exemplo, os membros da Guilda dos Caçadores de Recompensas, da qual o Mandaloriano, personagem principal da série, faz parte.
Apesar de Star Wars ser, em seu complexo, uma space opera, a série “Mandalorian” se afasta um pouco desse conceito, trazendo uma história e desenvolvimento mais próximos a um space western, com suas paisagens solitárias e poeirentas, troca de tiros e código de honra. Essa é uma coisa muito importante a ser frisada, porque muda drasticamente nosso modo de lidar com a ficção, para criar o mesmo sentimento que a série provoca, só que em nossa mesa de jogo.
Em primeiro lugar: REFERÊNCIAS! Já disse isso antes, mas não vou deixar de falar. É importante termos em mente os arquétipos do gênero que pretendemos emular. Nesse caso, qualquer bom filme de faroeste já vai ajudar muito: “Três homens em conflito”, “Era uma vez no oeste”, ou mais recentes, como “O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford” e a versão atual de “Bravura Indômita”. Qualquer um deles, ou outros nessa linha, vai trazer um caminhão de referências para você entender os arquétipos do gênero Faroeste. Mas o que mais adicionar para que se torne um Space Western, ou seja, um Faroeste Espacial? Bom, fácil: pistolas de laser, nave espaciais e alienígenas!
Então, em primeiro lugar, cuide da ambientação: um bom faroeste espacial tem cidades fronteiriças, grandes espaços desérticos, montarias (que podem ser motos gravitacionais ou animais alienígenas) e pistolas que falam, antes de seus portadores. Um lugar excelente para começar uma história dessas é um planeta semiabandonado na fronteira do já derrotado Império, por exemplo, onde alguém quer lhe oferecer um trabalho.
Em seguida, precisamos de uma aventura. Uma coisa que eu adoro nos Westerns, e que está bem presente em Mandalorian, são heróis que não tem consciência dessa identidade; são pessoas comuns, ou até mesmo levemente egoístas, que acabam por fazer a coisa certa quando isso realmente importa. Para mim, uma aventura no estilo de “Mandalorian” precisa tentar tirar isso das personagens dos jogadores. Pode se usar tranquilamente a ideia da série, por exemplo, um trabalho que se torna muito mais do que só isso, ou outras coisas também já consagradas: em “Era uma vez no oeste”, um bandido e um pistoleiro misterioso ajudam uma viúva a defender sua propriedade contra um barão ferroviário. Qualquer história que tente revelar um pouco do lado heróico nas personagens é válido.
Em terceiro lugar, as personagens. Eu não gosto de limitar muito a criação de personagens para que os jogadores não sintam que estou restringindo sua agência, mas é importante que eles comprem o tema proposto e construam personagens apropriados: Boba Fett, Han Solo, Chewbacca — de Star Wars —, Jet, Valentine e Spike — de “Cowboy Bebop” —, Cheyenne e Harmonica — de “Era uma vez no oeste” — são todas inspirações válidas e que irão somar para a construção da atmosfera pretendida. Já um partidário imperial, um bandido escabroso e sem redenção, ou um bruto violento e sádico não trarão nada de bom para a mesa, atrapalhando o tema proposto.
Enfim, vamos falar sobre ritmo. Retirados os zaps-zaps das armas lasers e as viagens interplanetárias, um Space Western é, no fim das contas, um faroeste. Perseguições com dias de duração, olhares profundos, conversas longas e tiroteios rápidos. Na mesa, é importante tentar cadenciar o jogo para que os jogadores sintam essa diferença de passo: dê tempo aos personagens de trocar algumas palavras com o inimigo antes de um duelo, permita que eles olhem nos olhos os trapaceiros de Sabacc antes de começar a pancadaria, mas seja rápido e violento quando os feixes de laser começarem a voar! Essa mudança dinâmica de ritmo criará a sensação de estar em um faroeste e isso elevará a diversão a outro nível.
Bom, após termos vistos os quatro pilares de uma boa adaptação — ambientação, história, personagens e ritmo narrativo —, vamos ver à última coisa importante: com que jogo rodar a mesa? Bom, a resposta óbvia é “Fronteira do Império”, da Fantasy Flight Games e editada no Brasil pela Galápagos. É um jogo para Star Wars com a pegada de mercenários, pouca ou nenhuma Força, nos limites extremos do Império e em português. O sistema, o Genesys da própria Fantasy Flight, é um tanto polêmico, pois usa dados especiais com símbolos: eu amo, pois o jogo ganha granularidade e quebra o binarismo do ACERTOU/ERROU, mas também exige que se comprem dados que nem sempre são baratos ou fáceis de encontrar — apesar de existir um aplicativo para celular oficial relativamente acessível.
Para quem quiser correr do mercenarismo da FFG, eu aconselho então Savage Worlds, usando o compêndio de ficção científica e alguns conceitos de Deadlands para criar tweaks legais e dar caráter à sua adaptação. Todos estes foram publicados em português pela Retropunk, inclusive Savage World acabou de receber uma nova edição!
E, como última indicação, um jogo que eu sempre menciono: FATE Acelerado. Fácil de entender, rápido de botar na mesa, se adapta a quase todas as propostas e agora tem um kit de ferramentas para aventuras no espaço. O jogo é gratuito e em português — pode baixar ele aqui:
As ferramentas para aventuras no espaço, contudo, ainda não estão disponíveis em língua portuguesa.
Pronto para trocar tiros com alienígenas em planetas desertos? Me conte o que achou das dicas nos comentários!