Livros Surrados Amor Ou Desleixo

Livros surrados: amor ou desleixo?

Pouco tempo depois do meu interesse pela literatura, passei a ter um cuidado exagerado pela conservação dos meus livros. Meus primeiros exemplares, comprados em revistas Avon da minha irmã, eram edições econômicas sem orelha, capa brochura simples e papel de fácil oxidação.

Carregando um desses livros na minha mochila, era inevitável vê-los se desmanchar em questão de poucos dias. Ficavam amassados, com a capa rasgando, além da sujeira no corte. Essa era a representação da minha conexão com a história; o meu envolvimento real com o mundo contado ali naquelas páginas.

Eram apenas estes três exemplares no meu quarto, cujas estantes eram dominadas por quadrinhos ocidentais, e mangás: O código Da Vinci, A menina que roubava livros e A cabana.

Os livros eram enfurnados, entre camisetas e calças, no meu guarda-roupas, o único lugar disponível para alocá-los. Porém, após o término dessas leituras, veio o desejo por mais. Uma ida à livraria mudaria minha vida de leitor ocioso para sempre. Saí de lá com mais três livros: a série de thriller sueca Millennium, do falecido autor Stieg Larsson.

Agora, portando edições de maior capricho, com capas bonitas, papel de melhor gramatura e acabamento mais refinado, senti uma pontada de pena em deixar que aquelas edições tivessem o mesmo destino dos meus livros econômicos.

Na ida de ônibus para o trabalho, enrolei o primeiro volume da série policial em uma camiseta para não sofrer com o atrito na mochila e manter a edição em bom estado, da mesma maneira que o encontrei na livraria. Óbvio que, mesmo com todo esse cuidado, o livro ganharia marcas, mas o sentimento de preservação daquela obra despontou uma série de exigências futuras que me fez enxergar as obras como objetos de decoração.

E foi o que acabou acontecendo com o passar dos meses. Empolgado com a ideia de montar uma biblioteca particular, a cada meu recebimento de salário, acessava uma livraria virtual e comprava mais livros para minha coleção. Projetei uma estante e mandei um marceneiro montar. Nela, inseri meus exemplares, todos novos e recém-retirados dos plásticos.

O excesso de cuidado me tirou algo muito importante: o desejo pela leitura. Em seu lugar, recebi a compulsão por comprar e armazenar. Por cuidar demais e ler de menos. Ciente de que estava perdendo o controle, encontrei uma maneira de lidar com isso no dia em que resolvi adquirir exemplares em sebos da minha cidade.

Por mais que se encontre nesses locais livros em perfeitas condições, sabemos que passaram por mãos que os manusearam e leram. Mãos que escreveram dedicatórias, marcaram quotes ou sujaram as páginas. A lombada rachada, a capa amassada, o miolo soltando. Uma história para contar dentro e fora de suas páginas.

Não compartilho dos sentimentos que alguns leitores têm de se conectar com seus livros através de sua destruição, deixando o exemplar se desmanchar em suas bolsas e não se importando com isso. Posso garantir, no entanto, que melhorei bastante e já posso ver um leitor usando a orelha como marcador de página sem me sentir desconfortável.

Desde que não seja com meus livros.

A leitura é algo particular, assim como o zelo por seus livros. Acredito que as futuras gerações poderão desfrutar melhor da literatura do passado se preservarmos o que temos hoje em nossas estantes. Independente do destino ou cuidados que eles tenham quando esses mesmos livros forem parar em suas mãos.

Eu recuperei meu apreço pela leitura, mantive os meus cuidados com um menor grau de exagero e criei um jeitinho particular de mostrar o meu amor pelas histórias sem precisar transformar meus livros em um exemplar de Destrua este diário, de Keri Smith.

Amor ou desleixo, a magia da leitura vai muito além da maneira como você cuida dos seus livros. Livros surrados podem trazer histórias muito mais interessantes do que seus irmãos super conservados e esquecidos em alguma prateleira da sua estante.

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