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AS RAÍZES DO WEIRD – DISCUTINDO WILLIAM HOPE HODGSON

24 de Abril de 2018

Entrevista conduzida por John Linwood Grant, autor e criador por trás do blog Greydogtales com Sam Gafford (autor, editor, crítico e pesquisador de literatura WEIRD. Gafford também foi o criador da editora independente Ulthar Press).

Tradução por L. F. Lunardello (professor, autor e tradutor, criador do @baiaodacaveira).

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John L. Grant: Interessado nas origens da ficção WEIRD? Quer saber tudo sobre William Hope Hodgson? Então junte-se a nós enquanto conversamos com o autor, editor e estudioso Sam Gafford, em uma entrevista que já está sendo descrita como extremamente precisa. A terra da noite, Carnacki, a vida de William Hope Hodgson, influências e mulheres – todos estão sob escrutínio.

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A Casa no Limiar. Fonte: Sebastian Cabral (sem data)

John L. Grant: Olá, Sam. Celebrar 100 anos de William Hope Hodgson é estranho porque sentimos um misto de tristeza – afinal, Hope Hodgson era vinte anos mais novo que eu quando foi morto – e de admiração, por ainda estarmos aqui discutindo ele e seu trabalho. Você é um dos principais estudiosos do Hodgson no mundo, então quero arriscar uma pergunta inicial bem ampla. De forma resumida, por que ainda estamos falando sobre ele? O que havia de tão diferente em seu trabalho ao ponto de se destacar até os dias atuais?

Sam Gafford: Atrevo-me a dizer que Hodgson é mais popular hoje do que nunca. Suas obras são constantemente reimpressas, grande parte de sua ficção está disponível gratuitamente online e o interesse acadêmico nele está em alta. Acho que grande parte da razão dessa popularidade se deve à imaginação vívida e evidente em sua escrita. Alguns podem procurar Hodgson por interesse histórico, agora que ele é considerado um dos pioneiros da ficção científica e do terror, mas acabam se tornando fãs por causa do calibre de suas histórias.

Outra coisa que pode estar ajudando é o fato de que, com exceção de A terra da noite, a maior parte de sua ficção é escrita em um estilo vibrante e mais moderno do que alguns de seus contemporâneos como Wells, Blackwood ou Lovecraft. Seus contos, em particular, são muito poderosos e escritos de forma esparsa, semelhantes, em alguns aspectos, a um Hemingway. A Tropical Horror é um exemplo clássico disso, já que a ação começa praticamente imediatamente quando um monstro marinho gigante ataca um navio solitário e sua tripulação. Hodgson é muito aclamado por seus romances. Merecidamente, diga-se de passagem. Mas sinto que é em muitos de seus contos que seu talento como escritor realmente brilha.

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William Hope Hodgson. Fonte: Internet Archives (sem data)

John L. Grant: Hope Hodgson morreu no final da Grande Guerra, como resultado de um bombardeio usando morteiros. Dado o número de poetas de guerra e correspondentes da época, sabe-se se ele próprio escreveu alguma coisa durante os anos de serviço militar?

Sam Gafford: Hodgson escreveu alguns artigos sobre alguns tópicos da Primeira Guerra Mundial, como How the French Fought the War (N.T.: Como os Franceses Lutaram na Guerra), e estes foram amplamente divulgados na época. Ele se alistou nos primeiros meses de 1914, mas foi ferido em 1916 enquanto treinava outros no movimento e manuseio de grandes armas na planície de Salisbury. Ele foi mandado para casa e passou cerca de um ano se recuperando, período durante o qual escreveu isso, bem como vários outros textos. Carnacki já havia sido concluído anos antes, mas as histórias do Capitão Gault mostram uma influência definitiva da Primeira Guerra Mundial com a abundância de espiões alemães e o que eram então navios e armas mais modernos. É claro que sempre existe a possibilidade de ele estar trabalhando em mais projetos que ficaram inacabados devido à sua trágica morte, mas provavelmente nunca saberemos disso.

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Adaptação da DC Comics de A Casa no Limiar de Hodgson por Simon Revelstroke e Richard Corben. Fonte: DC Comics (2000).

John L. Grant: Infelizmente não. Cartas para, de ou sobre Hodgson são escassas; poemas “perdidos” ocasionais surgiram ao longo dos anos. Podemos ter certeza de que nenhuma obra importante foi perdida, mas vamos especular. Haverá muito mais, de forma tangível, que provavelmente seria encontrado hoje em dia, seja em seus escritos ou em termos biográficos?

Sam Gafford: Como já discutimos muitas vezes, a falta de fontes primárias é nosso maior obstáculo para desenvolver uma ideia mais completa de Hodgson, tanto do homem quanto do escritor. Temos poucas cartas para consultar. Acredito que pode haver grupos de cartas mantidas em coleções particulares, mas, até que os proprietários (ou descendentes) as tornem públicas, nunca saberemos.

Quando confrontados com estes “becos sem saída” na investigação, temos de recorrer a outras fontes, tais como memórias ou cartas de terceiros. Infelizmente, poucos vieram à tona, mas continuo esperançoso de que em algum lugar possa haver um lote de cartas ou um livro de memórias escrito por alguém que conheceu Hodgson e o menciona em suas obras. É por isso que é tão importante que o maior número possível de pessoas esteja alerta e vigilante ao encontrar referências tão obscuras. Ainda espero que algumas coisas estejam por vir. Sinto-me confiante, no entanto, em afirmar que não há grandes obras perdidas de Hodgson circulando por aí. Quaisquer histórias que possam vir à tona agora provavelmente serão menores.

John L. Grant: A terra da noite e A Casa no limiar têm poucos ou nenhum paralelo no período em que ele estava escrevendo, e poucos antecedentes óbvios. Sua família não era envolvida com literatura e ele não parecia se movimentar socialmente nesses círculos. Há alguma influência clara sobre ele nessas obras mais weird?

Sam Gafford: Mais uma vez, nossa falta de fontes primárias é um forte impedimento aqui. Fora algumas resenhas que Hodgson escreveu sobre o trabalho de outras pessoas, realmente não temos ideia de quais foram suas influências ou o que o levou a escrever em primeiro lugar. Os pais dele eram pessoas instruídas e alfabetizadas, por isso é provável que encorajassem essa característica em seus filhos. Em seus ensaios biográficos sobre Hodgson, R. Alain Everts afirma que os irmãos de Hodgson tinham memórias dele sempre estar lendo.

Hodgson era inteligente e tinha uma mente curiosa, o que fica evidente em seus escritos. Seus primeiros itens publicados foram artigos sobre fisiculturismo que apareceram na Sandow’s Magazine, que hoje era o equivalente a uma revista moderna de musculação. Mais uma vez, os ensaios de Everts mostram os irmãos de Hodgson contando como ele adorava diverti-los com histórias que, sem dúvida, se tornaram ainda mais fantásticas quando ele voltou para casa durante os meses passados no mar.

Quando me perguntaram em uma convenção: “O que você acha que inspirou Hodgson a escrever?” Minha resposta foi “a pobreza”. Embora um pouco irreverente, há muita verdade nisso. Quando Hodgson regressou do mar e após o fracasso da sua “Escola de Fisiculturismo”, ele era o principal meio de sustento da sua mãe e irmã. Ele precisava ganhar dinheiro e, depois de obter algum sucesso com seus artigos de ginástica, deve ter concluído que essa era uma maneira rápida e divertida de pagar as contas. Acho que ele também estava muito ansioso para ser aceito pelo mundo da “escrita”, mas nunca chegou lá, apesar de seus livros frequentemente receberem críticas muito entusiasmadas.

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A terra da noite. Edição de 1976. Fonte: Acervo pessoal (2016).

John L. Grant: O que você acha das tentativas de tornar A terra da noite um romance longo que tem suas questões de estilo e linguagem, mais “acessível”?

Sam Gafford: Embora eu entenda o desejo de tornar A terra da noite um pouco menos intimidante para novos leitores, não concordo particularmente em fazer isso. Por mais difícil que seja o estilo que Hodgson escolheu para este livro, e é inegavelmente difícil, editar ou, pior ainda, reescrever a história, será um péssimo serviço a Hodgson. Sempre defendi o conceito de que a visão do autor, boa ou má, deve ser respeitada e preservada, e é por isso que também desaprovo a “edição” do romance feita por Lin Carter quando ele foi reimpresso como parte da Ballantine Adult Fantasy Series. Quem somos nós para dizer que sabemos melhor o que a história precisa do que o autor? O livro, conto ou qualquer obra escrita deve permanecer, claro, por seus próprios méritos.

A única ocasião em que concordaria com a mudança do texto seria quando ele fosse adaptado para um meio diferente, como rádio, televisão, cinema ou histórias em quadrinhos. Certamente, qualquer pessoa que faça uma interpretação de A terra da noite em uma história em quadrinhos não deveria ser obrigada a colocar tudo do romance na visão dessa nova pessoa por trás do projeto. Fora esse cenário, deixe o romance em paz e o aprecie da maneira que Hodgson pretendia que fosse apreciado.

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Artes feitas por Sebastian Cabrol (sem fonte ou ano).

John L. Grant: Às vezes ficamos impressionados com a fisicalidade masculina de grande parte do seu trabalho – homens fazendo algo ou não conseguindo fazer. Sabe-se alguma coisa sobre sua opinião sobre as mulheres?

Sam Gafford: Ironicamente, já escrevi sobre esse assunto antes em meu artigo “Hodgson and Women”. É uma coisa muito interessante a considerar. Mais uma vez, a falta de fontes primárias significa que não sabemos como Hodgson se sentia em relação às mulheres, por isso temos de inferir coisas dos seus escritos.

Sabemos que a vida de Hodgson foi dominada principalmente por mulheres. Saiu de casa aos 13 anos e, durante a passagem pelo mar, seu pai morreu. Ele volta para casa para morar com a mãe e a irmã e assume o papel de provedor da família e, de acordo com as normas sociais da época, provavelmente seu protetor.

Ele só se casou em 1913, quando completou 35 anos, o que por si só é estranho para as pessoas da época. Há rumores de um romance anterior que terminou mal, mas não temos detalhes sobre isso.

Se olharmos para a progressão da escrita de Hodgson, desde os romances e contos até as histórias do Capitão Gault, vemos uma mudança de atitude em relação às mulheres. Nas primeiras histórias, as mulheres são algo a ser amado e, acima de tudo, protegido das duras realidades do mundo. Vemos esse tema da “donzela em perigo” frequentemente em seus primeiros trabalhos, que também era um tropo popular na época.

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Edição antiga de Captain Gault. Sem fonte ou ano.

Mas, quando chegamos a algumas das histórias do Capitão Gault, esta opinião em relação às mulheres muda. As mulheres não são mais vistas como objetos de amor e adoração românticos, mas como criaturas astutas e insidiosas que são, acima de tudo, indignas de confiança. Gault acaba sendo mais esperto que várias mulheres porque simplesmente não consegue acreditar ou confiar nelas.

É uma mudança notável e sobre a qual só podemos especular. Seu caso de amor arruinado criou uma desconfiança em relação a todas as mulheres, o que resultou em ele permanecer solteiro por tanto tempo? Ou aconteceu algo durante seu casamento que também mudou sua opinião? Nunca saberemos com certeza.

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Carnacki editado por Sam Gafford. Sem fonte ou ano.

John L. Grant: Como eu já disse antes no meu blog, Carnacki, o Caçador de Fantasmas, provavelmente perde apenas para Sherlock Holmes no número de pastiches e re-imaginações de um detetive naquela época. O que você acha das histórias originais de Carnacki, que H. P. Lovecraft considerou as peças mais fracas de Hope Hodgson (embora Lovecraft não tenha lido o conto mais longo, O Porco)?

Sam Gafford: Nunca entendi a antipatia de Lovecraft pelas histórias de Carnacki. Como um jovem admirador de Holmes, você pensaria que ele ficaria encantado com esse personagem que aborda mistérios sobrenaturais de maneira lógica e científica. Em vez disso, Lovecraft (assim como outros escritores, incluindo Ellery Queen) repreende Hodgson por tentar criar uma mistura de gêneros tão antinatural.

Para mim, Carnacki é a maior criação de Hodgson e a sua popularidade duradoura mostra que não estou sozinho. Para mim, são ótimas histórias que combinam magistralmente mistério e terror (assim como algumas das melhores histórias de Poe) e são infinitamente agradáveis de ler. É incrível considerar que Carnacki se tornou tão popular quando o próprio Hodgson escreveu apenas nove histórias com o personagem e, dessas, apenas seis foram impressas durante sua vida. Um verdadeiro testemunho do brilho do conceito.

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Ilustração de Florence Briscoe para Carnacki.

John L. Grant: Com certeza! Foi um marco no desenvolvimento do detetive ocultista como conceito. Presumivelmente, já que você publicou dois volumes de histórias de Carnacki de autores contemporâneos, você ainda sente alguma satisfação com bons pastiches e novas visões do Caçador de Fantasmas? Existem abordagens do material canônico das quais você não gostou?

Sam Gafford: Nunca encontrei nada que odiasse positivamente, embora tenha havido alguns que acho que não funcionaram. Alguns escritores, como William Meikle, compreendem implicitamente o conceito de Carnacki e escrevem a um nível tal que poderiam facilmente competir com as próprias histórias de Hodgson. Muito parecido com as histórias do Mythos de Lovecraft, acho que é uma caixa de areia maravilhosa para brincar e espero que Hodgson concorde. Acho que talvez a versão que menos me chamou atenção foi a interpretação de Carnacki por Alan Moore em sua série de histórias em quadrinhos Liga Extraordinária. Lá, o detetive é retratado como uma bagunça neurótica, em vez do personagem forte e aterrorizado que ele é.

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Carnacki ilustrado por M. S. Corley. Fonte: Acervo de M. S. Corley (2017).

John L. Grant: Eu adoro o Caçador de Fantasmas. Agora, se alguém dissesse que nunca leu nenhum William Hope Hodgson, por onde você sugeriria que começasse?

Sam Gafford: Pode ser uma surpresa, mas provavelmente não sugeriria começar com os romances. Acho que ler contos como “Uma voz na noite”, “Um horror tropical” e as histórias do Mar dos Sargaços dá uma impressão muito mais forte de sua escrita. Se pressionado a recomendar um romance, provavelmente escolheria A Casa no Limiar, pois é uma obra completamente sem igual. Definitivamente deixe A terra da noite para o final. Se alguém tentasse esse romance primeiro, provavelmente sairia dele com uma má impressão, apesar do poder imaginativo que ela demonstra.

John L. Grant: Falando especificamente sobre você, te perguntei há muito tempo se você achava que o trabalho de Hope Hodgson influenciou o seu próprio trabalho, mas você tem escrito e publicado bastante desde a época. Ele é mais uma névoa pairando no fundo ou um setor cheio de neblina ao seu redor quando você escreve?

Sam Gafford: Ainda não escrevi uma história ‘Hodgsoniana’ como já fiz com Lovecraft. Ou, pelo menos, uma história que superficialmente seria algo para o qual eu pudesse apontar e dizer: “isso é bem Hodgson”. Em vez disso, retiro de Hodgson a mesma coisa que retiro de Lovecraft, que é o sentimento de “horror cósmico” que é tão predominante nas obras de ambos. Esse conceito de que existe algo lá fora que é tão horrível e tão surpreendentemente indiferente à humanidade é, no fundo, a base de todos os meus escritos e sinto que herdei muito desse conceito de Hodgson.

John L. Grant: Essa é a razão pela qual frequentemente nos referimos a Hope Hodgson como pelo menos o ‘tio’ da ficção weird. Então não há planos de dar continuidade à sua HQ sobre Lovecraft, Some Notes on a Non-Entity (N.T.: Algumas observações sobre uma não-entidade), com uma versão de Hope Hodgson?

Sam Gafford: Isso é improvável por dois motivos: Não temos informações biográficas suficientes para fazer uma história em quadrinhos abrangente e meu colaborador, Jason Eckhardt, provavelmente me mataria se eu sugerisse um projeto assim, dada a quantidade de pesquisa e detalhes que estariam envolvidos.

John L. Grant: Ambos são ótimos pontos! Sam, muito obrigado por essa entrevista!

Sam Gafford: Obrigado a você!

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